IgrejaOutros assuntos

Como era a confissão nos primórdios da Igreja?

As primeiras confissões: Hoje, erroneamente, muitas pessoas acreditam que o Cristianismo representou um súbito abandono do pensamento e das práticas do antigo Israel – algo tão completamente novo que os contemporâneos de Jesus dificilmente reconheceriam essa fé cristã.

Entretanto, a verdade é exatamente o contrário. De fato, os primeiros cristãos mantiveram muitas das práticas do judaísmo antigo, as quais se tornaram, agora, revestidas de um novo sentido.

Os cristãos construíram suas próprias “sinagogas” e, até o ano 70 d.C., se encontravam regularmente no Templo de Jerusalém.

Alguns observavam o tradicional repouso sabático no sábado, e principalmente, no Dia do Senhor, o domingo. Adotaram em seus cultos muitas orações, bênçãos e formas litúrgicas do Judaísmo.

historia_da_igrejaNos últimos anos, os estudiosos têm dedicado maior atenção para “as raízes judaicas da liturgia cristã”, e vários deles têm procurado demonstrar em detalhes precisos como as refeições rituais e os sacrifícios de Israel se desencadearam na refeição ritual e no sacrifício do coração da vida cristã: a Missa.

O mesmo é válido para o que a Igreja chama hoje de o sacramento da Confissão, o sacramento da Penitência, o sacramento do perdão, o sacramento da Reconciliação. O novo Israel, a Igreja Católica, não abandonou as práticas eficazes dos seus antecessores.

Tanto que encontramos cristãos se confessando, tanto nas primeiras gerações, quanto em cada época seguinte.

O tema da confissão aparece duas vezes num dos mais antigos documentos judaico-cristãos que temos, independentemente da Bíblia. A Didaqué, ou a Instrução dos Apóstolos, é uma compilação de ensinamentos morais, doutrinais e litúrgicos.

Alguns estudiosos modernos afirmam que partes deste documento foram compostas na Palestina ou em Antioquia por volta do ano 48 d.C.

Diz a Didaqué: “Na igreja, confessarás tuas faltas e não entrarás em oração com má consciência” (4,14). Este ensinamento vem após longa lista de mandamentos morais e instruções sobre a penitência.

Num capítulo posterior, fala da importância da confissão antes de receber a Eucaristia: “Reuni-vos no Dia do Senhor para a Fração do Pão e rendei ação de graças [em grego, Eucaristia], depois de haverdes confessado vossos pecados, para que vosso sacrifício seja puro” (14,1).

Mais tarde, mas ainda no primeiro século, provavelmente entre 70 e 80 d.C., encontramos a Carta de Barnabé repetindo, palavra por palavra, a Instrução da Didaqué: “Confessa os teus pecados e não te apresentes em má consciência para a oração” (19).

Ambos, a Didaqué e a Carta de Barnabé, podem insinuar que os cristãos confessavam seus pecados publicamente, pois a expressão “na igreja” pode ser traduzida também por “na assembleia”. Sabemos que, em muitos lugares, a Igreja pode ter administrado a Penitência desta forma.

Contudo, a prática foi abandonada nos séculos seguintes por razões pastorais evidentes – por exemplo, para poupar o penitente do constrangimento, poupar as vítimas de qualquer vergonha, e por uma questão de sensibilidade. Esta é uma forma da Igreja aplicar sua piedade de um jeito ainda mais misericordioso.

Encontramos nosso próximo testemunho no início do século seguinte, por volta de 107 d.C.: Santo Inácio, bispo de Antioquia, que desenvolve a ideia de penitência a serviço da comunhão, como ele escreve ao povo de Filadélfia, na Ásia Menor.

“A todos aqueles que se arrependem, o Senhor concede o perdão, se apresentam sua penitência em união com Deus e em comunhão com o bispo” (Carta aos Filadélfios 8,1). De acordo com Santo Inácio, a marca do cristão perseverante é a fidelidade à confissão.

“Pois todos os que são de Deus e de Jesus Cristo estão também com o bispo. E a todos quantos, no exercício da penitência, voltarem-se para a unidade da Igreja, estes também pertencem a Deus e podem viver de acordo com Jesus Cristo” (Carta aos Filadélfios 3,2).

A opção da confissão era evidente para os Padres da Igreja. Em 96 d.C., o Papa São Clemente de Roma disse: “Mais vale ao homem confessar suas faltas do que endurecer seu coração” (Carta aos Coríntios 51,3).

Embora o sacramento tenha estado conosco desde o dia da ressurreição

de Jesus, os cristãos o praticaram de variadas maneiras. A doutrina da Igreja sobre a Reconciliação se desenvolveu, também, ao longo do tempo. Em sua essência, o sacramento permaneceu o mesmo, embora em alguns particulares possa parecer diferente em determinadas épocas.

Por exemplo: no início, em alguns lugares, os bispos ensinavam que certos pecados – quais sejam: homicídio, adultério e apostasia – poderiam ser confessados, mas não absolvidos nesta vida. O cristão que os tivesse cometido nunca poderia voltar a receber a Comunhão, embora pudesse contar com a misericórdia de Deus na hora da morte.

Em outros lugares, os bispos absolviam de tais pecados, mas somente depois que os pecadores cumprissem pesadas penitências, o que poderia levar anos de intensa luta cotidiana para cumpri-las.

Ao longo do tempo, a Igreja foi modificando essas práticas a fim de torná-las menos penosas e de encorajar os cristãos a encontrar forças na Eucaristia para vencer o pecado e fazer com que os pecadores arrependidos não caíssem em desespero.

Nem todos os cristãos estavam ansiosos para acolher os pecadores de volta ao rebanho. Alguns argumentavam que a Igreja era melhor sem esses fracos e desajustados. A questão veio à tona no norte da África, e chegou até um homem chamado Cipriano, bispo de Cartago (248-258 d.C.).

Era um tempo de perseguições onde alguns cristãos bravamente enfrentavam a morte, enquanto outros – é triste dizer – renunciavam a Cristo, quando colocados diante da ameaça de morte ou de tortura.

Alguns desses que cometiam esse “lapso” na fé, mais tarde, se arrependiam da decisão tomada e procuravam ser readmitidos na Igreja. Contudo, eles encontravam forte oposição dos outros cristãos que haviam sobrevivido às torturas sem renunciar a Cristo.

Cipriano sustentava que os pecadores arrependidos deveriam ser readmitidos à Eucaristia, depois de realizarem as penitências prescritas pela Igreja. Ele pedia a todos os pecadores, grandes ou pequenos, para que tirassem proveito do sacramento da Reconciliação, pois, em tempos de perseguição, eles não sabiam, nem o dia nem a hora, em que seriam chamados.

(Na verdade, seja qual for o momento, nós não sabemos o dia nem a hora em que seremos chamados a enfrentar o nosso juízo final). Dizia São Cipriano:

Rogo-vos, amados irmãos, para que cada um confesse seu pecado, enquanto aquele que pecou ainda estiver neste mundo, enquanto sua confissão puder ser recebida, enquanto a satisfação e a remissão feitas pelo sacerdote estiverem agradando ao Senhor.

Voltemo-nos para o Senhor com todo o nosso coração; e, expressando arrependimento pelo nosso pecado com verdadeira tristeza, supliquemos a misericórdia de Deus. […]

Ele mesmo nos diz de que maneira devemos nos apresentar: “Voltai para mim –oráculo do Senhor – de todo o coração, fazendo jejuns, chorando e batendo no peito! Rasgai vossos corações, não as roupas!” (Jl 2,12s).

Cipriano pôde evocar o profeta Joel que exortava um povo “gentio” a fazer sua confissão. Por quê? Porque o profeta, o Salvador, e o santo compartilhavam um entendimento comum da confissão, da conversão e da aliança.

A missão da Igreja, do próprio Cristo, foi proclamar esse entendimento como o Evangelho, como uma boa nova: “e no Seu nome [no de Cristo] será anunciada a conversão, para o perdão dos pecados, a todas as nações, começando por Jerusalém” (Lc 24,47).

Ao ler os Padres da Igreja, vemos que, onde quer que o povo professasse o Cristo, eles confessavam seus pecados aos sacerdotes da Igreja. Vemos isso nos escritos de Santo Irineu de Lião, que serviu na França de 177 a 200 d.C..

Encontramos em Tertuliano, no norte da África, por volta de 203 d.C.; e em Santo Hipólito de Roma, cerca de 215 d.C.. O estudioso egípcio Orígenes14, por volta do ano 250 d.C., escreveu sobre “a remissão dos pecados através da penitência…quando o pecador… não se envergonha de dar a conhecer o seu pecado ao sacerdote do Senhor e a buscar uma cura de acordo com aquele que diz,

‘revelei-te o meu pecado, o meu erro não escondi’. Eu disse: ‘Confessarei ao Senhor as minhas culpas’, e tu perdoaste a malícia do meu pecado” (Sl 32[31], 5).

Postagens relacionadas

O dízimo na Igreja Católica

Lua

A necessidade do Batismo

Lua

Catecismo de São Pio X

Lua

Deixe um comentário

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Vamos supor que você esteja de acordo com isso, mas você pode optar por não participar, se desejar. Aceitar Leia mais

Politica de privacidade & Cookies