Ao contrário, o amor ao próximo está no princípio do sentimento, do pensamento e da ação do Deus da vida e de seu Filho, Jesus Cristo, que produz a liberdade, a vida nova e a vida eterna dos irmãos: “É nisto que conhecemos o que é o amor: porque Jesus entregou sua vida por nós; portanto, também nós devemos entregar a vida pelos irmãos” (1Jo 3,16). Jesus, capaz de dar testemunho do amor ao próximo até o fim, encoraja a pessoa e a liberta do medo da morte, provocada pelo poder dos opressores.
Em outras palavras, trata-se de acreditar na força do amor de Deus diante do poder do mundo do Maligno: “A palavra de Deus permanece em vocês, e vocês estão vencendo o Maligno. Não amem o mundo nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, o amor de Deus não está nele” (1Jo 2,14b-15); “Neste mundo vocês terão aflições, mas tenham coragem: eu venci o mundo” (Jo 16,33b). A vida cristã sustenta-se na fé absoluta em Deus e na prática do seu amor!
Depois de apresentar a morte de Jesus como o amor ao próximo até o fim, o autor da primeira carta de João faz uma pergunta sobre a prática do amor e da solidariedade no cotidiano da comunidade: “Como pode o amor de Deus permanecer em quem possui os bens deste mundo, se esse tal vê seu irmão passando necessidade e lhe fecha o coração?” (1Jo 3,17). O amor fraterno tem de se mostrar concreto mediante o testemunho cotidiano: “Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com obras e na verdade” (1Jo 3,18).
Em seguida, o autor faz longa exortação à comunidade relativa à atitude de nosso “coração” diante de Deus:
Nisso sabemos que somos da verdade e podemos tranquilizar nosso coração diante de Deus. Porque, se nosso coração nos condenar, Deus é maior que nosso coração e conhece todas as coisas. Amados, se nosso coração não nos condena,
temos confiança diante de Deus, e recebemos tudo o que lhe pedimos, porque guardamos seus mandamentos e fazemos o que lhe agrada (1Jo 3,19-22).
Na Bíblia, o termo “coração” refere-se ao centro de tomada de decisões – a consciência: “Quando guardei silêncio, meus ossos se consumiram, gemendo o dia todo, pois dia e noite pesava sobre mim a tua mão; minha seiva (coração) se transformou em mormaço de verão” (Sl 32,3-4); “Em Cristo, eu digo a verdade, não minto, e disso minha consciência me dá testemunho no Espírito Santo: é grande a minha tristeza e contínua a dor em meu coração” (Rm 9,1-2). Tomar a decisão (o agir do coração) implica a existência humana – a ação cristã, como já mencionado: “Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com obras e na verdade” (1Jo 3,18).
No confronto do coração diante de Deus, a comunidade cristã tem de assumir e praticar o mandamento principal de Jesus, escreve o autor: “E o seu mandamento é este: que acreditemos no nome do seu Filho, Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, conforme o mandamento que ele nos deu” (1Jo 3,23; cf. Jo 15,12-13). Diante da antítese entre Deus e o Maligno, luz e trevas, Jesus e mundo, amar e odiar, vida e morte, o cristão e a comunidade cristã têm de tomar a decisão para produzir a vida nova e eterna, seja prestando assistência mais imediata a quem dela precisa, seja exprimindo sua solidariedade e seu amor também por meio de opções políticas.
Tomar decisão em favor da vida significa, sobretudo, permanecer em Deus: “Quem guarda os mandamentos dele permanece em Deus, e Deus nele. Nisso percebemos que Deus permanece em nós: pelo Espírito que ele nos deu” (1Jo 3,24). O termo “permanecer” também faz parte do vocabulário típico da literatura joanina e já apareceu diversas vezes no Evangelho de João: “Permaneçam em mim, e eu permanecerei em vocês” (Jo 15,4a); “Da forma que meu Pai me amou, eu também amei a vocês: permaneçam no meu amor” (Jo 15,9).
Na caminhada cristã, o autor reafirma a presença do Espírito: “Deus permanece em nós: pelo Espírito que ele nos deu” (1Jo 3,24b). O dom do Espírito mantém sempre viva a memória de Jesus, ensina e renova seu ensinamento de ontem e de hoje. Queira Deus que os cristãos, ungidos pelo Espírito, saibam discernir e encarnar Jesus Cristo em suas práticas concretas em favor dos irmãos.
3. O retrato da comunidade da primeira carta de João
A primeira carta de João termina com um resumo conclusivo:
Nós sabemos que somos de Deus, mas o mundo inteiro está sob o poder do Maligno. Sabemos que o Filho de Deus veio e nos tem dado entendimento para conhecermos o Deus verdadeiro. E nós estamos no Verdadeiro, no Filho dele, Jesus Cristo. Este é o Deus verdadeiro e a vida eterna. Filhinhos, fiquem longe dos ídolos! (1Jo 5,19-21).