Alguns relatos das cartas e dos documentos das comunidades sobre a ação cristã reforçam o atendimento às necessidades dos pobres: a) a partilha de alimento com os pobres nas ceias (cf. 1Cor 11,17-34); b) o acolhimento dos forasteiros sem direito algum (cf. 1Pd 1,1-2); c) o atendimento a viúvas e órfãos: “A religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso Pai, consiste em socorrer os órfãos e viúvas em seu sofrimento e não se deixar corromper pelo mundo” (Tg 1,27).
O grupo social desvalido recebia especial atenção da caridade praticada pela comunidade cristã, na contramão do mundo escravagista, que valorizava “o ouro e a prata” (At 3,1-10). As mesmas cartas, entretanto, trazem informações sobre a ação de alguns membros da comunidade cristã que discriminavam, oprimiam e envergonhavam os pobres, como agem em geral os ricos e poderosos do mundo:
a) Discriminação e ostentação na ceia: “Então, quando vocês se reúnem, o que fazem não é comer a ceia do Senhor. Porque cada um se apressa em comer sua própria ceia. E assim, enquanto um passa fome, o outro fica embriagado. Vocês não têm suas casas onde comer e beber? Ou desprezam a igreja de Deus e querem envergonhar aqueles que nada têm?” (1Cor 11,20-22a).
b) Desprezar e humilhar os pobres: “Vocês desprezam o pobre. Não são os ricos que oprimem vocês e os arrastam aos tribunais? Não são eles que blasfemam contra o Nome sublime que foi invocado sobre vocês?” (Tg 2,6-7).
c) As imundícies do mundo: “Com discursos pomposos e vazios, e com a isca sensual da libertinagem, seduzem aqueles que acabaram de se afastar dos que vivem no erro. Prometem a eles liberdade, mas são escravos da corrupção, pois cada um se torna escravo daquele a quem se rende. Portanto, se pelo conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo alguém se afastou das imundícies do mundo, e novamente se deixa seduzir e se rende a elas, seu último estado torna-se pior que o primeiro” (2Pd 2,18-20).
O último relato revela o problema e o conflito vivido pela comunidade cristã no início do século II, na Ásia Menor: alguns membros, sobretudo os homens mais destacados e poderosos da comunidade, deixam de seguir o evangelho de Jesus Cristo, o Messias encarnado. Separando a fé da vida prática, eles cultivam e propagam as “imundícies do mundo”, alegando ainda que estão em comunhão com o Deus verdadeiro pelo conhecimento (gnosis) racional e espiritual dele.
O mesmo problema acontece com a comunidade da primeira carta de João, do fim do século I ou início do século II, na Ásia Menor: “Como pode o amor de Deus permanecer em quem possui os bens deste mundo, se esse tal vê seu irmão passando necessidade e lhe fecha o coração?” (1Jo 3,17). Com a práxis do patronato e da associação do mundo greco-romano, os homens destacados e poderosos da comunidade, que providenciam o recinto das reuniões e a alimentação para os pobres, deixam-se seduzir pelo mundo e agem segundo a estratificação da sociedade escravagista,
desprezando e humilhando os pobres. O autor da primeira carta de João condena a prática dos poderosos, chamados de anticristos em 1Jo 2,18, retoma e propõe o princípio fundamental que orienta a ação cristã: o amor ao próximo (cf. 1Jo 3,11-24).